Cidade maravilha, purgatório da beleza e do caos. “Rio, 40 Graus” é um
filme brasileiro realizado por Nelson Pereira dos Santos, lançado em 1955, que
se tornou um precursor do Cinema Novo brasileiro. Ao contrário dos sucessos
hollywoodianos da sua altura, apresenta um caráter intimista, semi-documental,
de modo a mostrar as mazelas que rodeiam as personagens, através da sua
montagem paralela. Este lança luz sobre a pobreza, a desigualdade social, a
exploração infantil e a corrupção, oferecendo uma crítica contundente à
estrutura de poder e às injustiças presentes na sociedade brasileira daquela
época. É um “Neorrealismo Italiano” à brasileira. Um dia escaldante no Rio de
Janeiro, para o turista e a elite é a viagem, o descanso, o banho de sol. Para o
morador do morro, é mais um dia como qualquer outro, é para ajudar os pais, é
aproveitar o descanso dos engravatados e ganhar uns trocados, sobreviver,
trabalhar, sempre em movimento.
A maneira como a câmera desliza de uma situação à outra, marcadas
muitas vezes pelo encontro de transeuntes que se cruzam na rua, cria uma
impressão de um espectador voyeur que recolhe fragmentos do urbanismo
quotidiano brasileiro. Nesse sentido, todas as diversas realidades representadas
no filme são progressivamente reveladas diante de um espectador intruso, tão
anônimo quanto qualquer outro passante na rua, e é com muita naturalidade e
sem perder o ritmo que a objetiva passa de uma personagem-tipo a outra: do
pedinte ao amante, do amante ao político, do político ao rapaz atropelado, e do
atropelamento ao golo da vitória.
Trata-se de uma representação abrangente e detalhada da vida no Rio de
Janeiro durante a década de 1950, no entanto, isso não implica que o filme
pretenda capturar todas as facetas da realidade. Em vez disso, mantém-se fiel à
sua natureza fragmentada, deixando espaço para diferentes perspectivas e
interpretações.