Nova Exposição revela segredos do “Marquês”

Inaugurou no dia 24 de setembro a exposição Cartadas do Marquês no Largo d’Agoa Ardente, uma viagem à descoberta de um espaço, comunidade e de uma figura, Marquês de Pombal.

A exposição está patente no n. 94 do Largo d’Agoa Ardente, até dia 24 de outubro.

A exposição, de incidência documental, organiza-se a partir de três salas, dando a conhecer o levantamento de dados pesquisados desde início de 2025, por uma equipa constituída por investigadores, docentes (de diferentes áreas disciplinares e de atuação) e por estudantes da licenciatura de Gestão do Património Cultural, do Mestrado em Património, Artes e Turismo Cultural da ESE-P.PORTO¸ a que se associouum estudante de Fotografia da ESMAD-P.PORTO. Consolidando as iniciativas curatoriais anteriores, mantiveram-se as parcerias com o Acervo da ESMAE-P.PORTO, o Museu do ISEP-P.PORTO, o Acervo Documental do ISCAP-P. PORTO e a inestimável colaboração do MMIPO – Museu e Igreja da Misericórdia do Porto.

Na sequência de Reservas e Relíquias: a sedução das Coleções, o ciclo curatorial desenvolve-se, agora, dirigindo-se a um público heterogéneo, mais além da Academia, avizinhando-se da comunidade.

A investigação multidisciplinar foi fundamental para concretizar esta proposta expositiva; pretende-se evocar o ambiente de antes, os tópicos identificadores de um século iluminado e dos seguintes, para questionar as circunstâncias de tempos presentes.

Quais os mistérios que subsistem na própria toponímia, contidos na simples designação Praça do Marquês?Concebeu-se um mapa mental que reúne diálogos plausíveis entre a georreferenciação histórica da Praça do Marquês que, inicialmente, era designada por Largo Agoa Ardente, a partir de 1784 conhecida por Largo da Aguardente e, finalmente, em 1882, quando do primeiro centenário da morte do Marquês, e em sua homenagem, foi denominada Praça do Marquês – tal como atualmente consta na toponímia da cidade. Alameda d’ Agoa Ardente, pois haveria arvoredo alinhado numa georreferenciação onde se perspetivava a Estrada de Guimarães (atual rua de Costa Cabral). Neste local, sabia-se de um comércio protagonizado pela dita aguardante, um mercado de verduras que funcionava no pacato bulício da cidade a afirmar-se; um largo que participou dos destinos da guerra civil, onde foi instalada a “bateria de aguardente” a partir de agosto de 1832, com inúmeras estórias a contar (agregada ao exército libertador). Sabe-se que, por aqui, se teria instalado uma praça desmontável de touros, (outras existiram na Serra do Pilar, na Areosa e na Boavista) sem grande adesão por parte do público (antes pelo contrário), como se lê em Alberto Pimentel, que após citar Ramalho Ortigão (Praias de Portugal, Porto: Magalhães & Moniz, 1876) no seu livro intitulado Porto na berlinda: memórias de uma família portuense (Porto: Livraria Chardon, 1894) conclui “Estou em dizer que, apesar das duas praças actuaes, o Porto acha mais sabor ao boi no prato do que ao touro na arena” (p.93). Eis algumas pistas, levantadas neste projeto que está a decorrer, como bem cumpre na Academia e em prol da devida articulação à comunidade.

Na primeira sala do Centro de Cultura Politécnico do Porto, edifício que foi na origem uma casa familiar, no alinhamento da atual Rua de Santa Catarina (em direção a uma das saídas do burgo para Norte), apresenta-se uma seleção de plantas e mapas guardadas no Arquivo Histórico (Casa do Infante), despretensiosas referências memoriais na cronologia georreferenciada. Ainda, acrescendo imagens fotográficas que nos mostram o espaço sob auspício de pessoas inominadas que a percorreram ou nela residiram. Neste enredo, maioritariamente, sem nomes ou figuras identificadas, destaca-se a carta (1851) escrita por Maria de Mariz a suas “Illustríssimas” amigas brasileiras, percebendo-se que, à data e após estadia longa no Brasil, residia no Largo d’ Agoa Ardente, que descreveu e, mesmo, esquematizou em desenho e com mestria. [Testemunho único, pertença do Arquivo de Nuno Resende (FLUP) que gentilmente cedeu]. O que extrapolamos, a partir da leitura epistolográfica, contrasta com as evidências atuais das fachadas, carregadas pela volumetria polífona dos tempos. As memórias de lojas, cafés, de tantos e diversos públicos que se ergueram e soçobraram; lembranças que se mantêm hieráticas nas fachadas, guardando sensibilidades e episódios anónimos. Vemos elementos iconográficos que nos transportam entre o séc. XVIII e o séc. XIX português – tempo definido nesta primeira fase de aproximação. Segue-se o fio do tempo e sob diferentes olhares. Muito mais haverá a descobrir e fica lançado o desafio.

Na Sala dois (2), por outro lado, revê-se a figura/personalidade do Marquês de Pombal e suas reverberações no tecido nacional e internacional. O que foi, quem foi – efetivamente? O que poderia ter sido? Quando ministro plenipotenciário em Londres, e seguindo a biografia extraordinária que lhe dedicou Pedro Sena-Lino (De quase Nada a quase Rei, Lisboa: Contraponto Ed., 2020), apercebemo-nos que Sebastião José apreciava fazer caminhadas (mesmo à chuva e no nevoeiro), revendo o pitoresco da terra natal. Frequentava as coffeeshop, onde se reuniam políticos, intelectuais e artistas, onde novas estratégias, gostos e hábitos sociais se consolidavam. Eram locais de discussão, geopolítica, artes, literatura, subterfúgios e ideais que irrompiam nesse século em que William Hogarth, em suas acutilantes e caricaturais gravuras, não deixava ninguém em descanso, criticando quem merecia ser assinalado! E, mais tarde alguns anos, se o 1.º Marquês não tivesse frequentado a Corte da Imperatriz Maria Teresa de Áustria? Sim, porque, recém-chegado a Viena, considerou que a cidade exalava um requinte que não achara em Londres. Entre as figuras destacadas, achou Eleonor Daun, com quem se casou aos 46 anos, tendo frutífera descendência (o que não ocorrera quando de seu primeiro casamento com D. Teresa de Noronha). Mulheres menos e mais poderosas com as quais conviveu. Umas, que celebrou, outras que aboliu sem pejo, nem piedade, tendo-as condenado sem mercê, nem piedade – como se sabe no trágico destino infligido no Processo da família Távora. Enigmas e relíquias emergem para que imaginemos a história e delas nos reapropriemos, dentro de coordenadas da época. Destacam-se, nesta sala, alguns objetos avulsos que proporcionam estéticas e narrativas, que nos instigam a pesquisar mais, a identificar a repercussão da atuação iluminada, o que de constitutivo e dinamizador decorreu de um período, quais as consequências nas indústrias, no ensino, nas artes e nas letras. Assim, pensa-se através de elementos inusitados nos papéis que assumiam mulheres e homens, nas classes sociais, nas sinergias e nos reversos identitários. No panorama cultural séc. XVIII português, identificam-se tertúlias, Salões onde se discutia e dava a conhecer poesia, filosofia, artes, sendo dirigidos por mulheres intelectuais que, posteriormente, viriam a ser quase omitidas e desconhecidas. Estas duas linhas de pensamento e acontecimentos projeta-se para a Sala três (3), onde o Marquês é pensado/se pensa entre o Tejo e o Douro. Entre os rios, vemos através de apontamentos e detalhes, ideias que, talvez, nos impulsionem a conhecer melhor a cidade do Porto e o país. As imagens que revestem as paredes desta Sala correspondem a registos feitos no Palácio de Pombal, na rua do Século em Lisboa, Mercês e no alinhamento ao Bairro Alto, onde se acredita tenha nascido Sebastião José. Um Palácio belíssimo, que foi cedido pela C.M.de Lisboa em 2007, para lá fosse instalado o Centro de Arte e Pesquisa, Carpe Diem (uma ideia de Paulo Reis, secundado por Rachel Korman e Lourenço Egreja). O interior do Palácio evidenciava uma história muito além da passagem do Marquês, com vestígios de vidas passadas e que, durante seis anos repercutiu cenário de atividade artística e de pensamento na contemporaneidade.  Entre os muitos projetos desenvolvidos, dá-se notícia da instalação de desenho de Cristina Ataíde – Lar, doce Lar (2012) que compilou, no seu projeto artístico, os nomes de todas as pessoas que teriam passado na vida do Marquês e de que se teve conhecimento. Vemos a Skyline da nova cidade, a emergir do Terramoto. Por outro lado, e a Norte, evidenciam-se arquiteturas da cidade invicta, assinalando edificações e decisões. Caso do Farol da Senhora da Luz a dirigir os caminhos dos navegantes que teria sido mandado construir pelo Marquês cerca de 1758; dá-se notícia da Demarcação da Região Vinícola do Alto-Douro, evoca-se um quotidiano que precisa de ser pesquisado. Retomam-se, portanto, eixos históricos que, para a maioria das pessoas, apenas eram abordados nos 2º e 3º ciclos do sistema português de ensino. Reflete-se, também, quanto os dados biográficos de anónimos – caso de D. Maria Mariz, tanto quanto de pessoas emblemáticas, podem contribuir para uma maior lucidez de saberes que cabe incentivar no Ensino Superior, em termos de docência e de investigação. Relembre-se a relevância das trocas comerciais e das famílias inglesas que aqui se radicaram. Pense-se nos e nas viajantes ao Porto, salientando nesta mostra, a figura de Dora Wordsworth que residiu na Foz do Douro e na rua de Cedofeita. Dora, filha do poeta, foi cunhada do comerciante Thomas Quillinan (um dos fundadores da Feitoria), esposa do poeta e tradutor de Camões, Edward Quillinan (aqui nascido). Dora, escritora (Journey of a Few Month’s Residence in Portugal and Glimpses of the South of Spain, London: Edward Moxton, 1847), durante a sua estadia (1845-46) realizou-se desenhos e esboços significativos que nos dão a reconhecer excertos e vistas panorâmicas da cidade e arredores (Lambert, “Foz e arredores – Escritos & desenhos de Dora Wordsworth Quillinan: 1845-1846”, Sensos –Vol. IX, 2022). Pretende-se, assim, contribuir para a tessitura de mentalidades a desvelar e a gerar, pelos simples atos de revisitar, descobrir, pesquisar, talvez, em certos casos, desconstruir para edificar vidas em comunidades mais qualificadas e felizes.

Maria de Fátima Lambert (curadora)